domingo, 18 de março de 2012

Esta noite em Samarcanda

Talvez por vontade do destino, já tropecei três vezes nela. Não interessa se na história original se trata de um rei, de um príncipe ou de um califa, nem se o outro personagem é um cavaleiro, um jardineiro ou um grão-vizir. Na praça de uma cidade, um cavaleiro vê a morte fazer-lhe um sinal e aterrorizado, vai ter com o rei, pedindo-lhe emprestado o mais veloz dos seus cavalos, para que possa fugir para bem longe, até Samarcanda. O rei convoca a morte ao palácio para lhe perguntar porque assustou o seu cavaleiro. E a morte, surpresa, responde-lhe: "Não lhe quis meter medo, mas espantou-me vê-lo aqui, sabendo que esta noite temos encontro marcado em Samarcanda”. Sedutora história, esta, em que o destino é aquele que escolhe em nosso nome. O rei tem o poder de convocar a morte e pedir-lhe satisfações, como se não a temesse. Mas a poderosa morte, aqui disfarçada de figura humana, também não sabe tudo. Não sabe, por exemplo, como se chega até ela - também precisa da cumplicidade dos vivos. O cavaleiro dá ao gesto da morte um sentido que ele não tinha, para que o destino seja corrigido e se cumpra. Caminha na sua direcção, convencido de que lhe está a fugir. O destino é mais teimoso e menos impaciente do que qualquer humano e prefere, por vezes, o caminho mais longo. Não vai pela auto-estrada, porque conhece os encantos das estradas secundárias.