domingo, 11 de março de 2012

Rapariga com saco de plástico


Nesta fotografia austera mas luminosa, em que usa a sua filha como modelo, o holandês Hendrik Kerstens imita os retratos do pintor Vermeer, onde uma figura feminina de rosto iluminado se recorta na paisagem. Há quem afirme que Vermeer usava câmaras obscuras para pintar, daí a perspectiva fotográfica dos seus retratos de composição geométrica, feitos de jogos de luz e sombra. A sofisticação visual de Vermeer está presente na fotografia de Hendrik Kerstens, como se a rapariga de um dos seus quadros se tivesse refugiado numa imagem de outro tempo, onde objectos mundanos se desbanalizam e ganham um tom solene. Aqui, o saco de plástico do supermercado simula ser a touca de uma empregada doméstica. Mas há mais: o rolo de papel higiénico, o vaso de plástico, o guardanapo de pano, a rede para o cabelo. Entre a contenção e a revelação, por dentro da luz ou tentando sair da insondável escuridão, vemos um rosto, iluminado por um enigma, pedido emprestado ao século XVII. Se abrissemos a porta desta fotografia, estaríamos à espera de encontrar lá fora uma tempestade a rodear a casa. Nesta imagem sem data possível, hesitamos entre a lentidão da pose obediente do modelo e o saco de plástico de uma sociedade com pressa em tudo consumir, até a arte. Mas não será essa a função da arte: mostrar-nos as respostas que a vida não dá?