quarta-feira, 23 de maio de 2012

A roleta do amor



Jackie (uma loiríssima Jeanne Moreau) e Jean (o belo Claude Mann) conhecem-se na mesa da roleta no casino e rapidamente se tornam cúmplices de jogo (o da roleta e o do amor). A cintilante Baia dos Anjos, entre Cannes e Mónaco, é o cenário desta história de paixão e fascínio filmada por Jacques Demy, onde a tensão do jogo se insinua e reflecte na relação do casal, sendo a roleta o terceiro elemento deste curioso triângulo. A roleta é um jogo de sorte e se a sorte não obedece a estatísticas, o amor não segue a lógica. Jackie é uma jogadora solitária, que vive de uma forma vertiginosa e o vício do jogo é a sua maldição. Pelo jogo, tem apostado (e perdido) tudo: o casamento, o filho de 3 anos, as jóias, o bilhete de comboio para Paris e os seus princípios morais. Jean, um modesto empregado bancário, esteve noivo mas desistiu de uma vida bem arrumada, sem risco nem surpresas, embora pensasse que o tipo de existência irreal que Jackie leva (ela lembra-lhe um personagem de romance) só existisse no cinema e nos livros. Mas o glamour exterior de Jackie (sempre elegantemente vestida por Pierre Cardin) dissimula um enorme vazio e ela, qual anjo perdido, acaba por se confessar “apodrecida no interior”. O vício leva-a a mentir, a roubar, a trair, a fazer batota e a apostar tudo o que tem. Será que Deus reina sobre os números? questiona Jackie, recordando que a primeira vez que entrou num casino sentiu o mesmo que quando se entra numa igreja. O jogo é a sua religião e dá-lhe um prazer simultaneamente erótico e teológico. Jackie e Jean rodopiam sem sair do lugar, ao som do piano inquieto da banda sonora de Michel Legrand, num tempo suspenso até a dança hipnótica da roleta parar e indicar um número, que dita a sorte e muda o destino dos jogadores. Jackie sente fascínio pelo mistério dos números e da sorte e por essa existência feita alternadamente de luxo e pobreza. A sua dependência torna-a vazia e vulnerável e quando não tem dinheiro, joga sozinha nos quartos de hotel com a miniatura de roleta que leva na sua mala. Jean é um amuleto para Jackie, traz-lhe sorte, como uma ferradura. Num momento têm três milhões de francos, no seguinte, apenas dinheiro à conta para beber um whisky. O vício do jogo é o obstáculo que impede a concretização desta história de amor marcada pela ambiguidade e sujeita a constantes volte-faces. Juntos perdem todo o dinheiro e Jean coloca-a entre uma terrível escolha: o amor ou as mesas de jogo. Mesmo sabendo que nunca deixará de jogar, Jackie abandona o casino e segue-o no último momento. Afinal, como foi dizendo a Jean ao longo do filme, não devemos virar as costas à sorte quando ela nos aparece.